Luz, câmera, sociobiodiversidade em ação

Série "Sementes do Amanhã": um pouco do que vi e vivi nos 10 meses percorrendo o Brasil e conhecendo práticas sustentáveis de cultivo e manejo

Nanda Barreto

Nanda Barreto

05/09/2022
Luz, câmera, sociobiodiversidade em ação Terramar Filmes/Sementes do Amanhã

5 min de leitura

Para realizar a série Sementes do Amanhã, entrevistamos dezenas de agricultoras extrativistas, ambientalistas, pescadoras e pesquisadoras.

Nas linhas a seguir, ofereço um pouquinho do que vi e vivi.

A caatinga ensina: resistir é conviver

Era fevereiro e a seca estava tinhosa. Havia semanas que não caía um pingo d’água por ali, me contava seu Alcides Peixinho do Nascimento, 60 e poucos anos, enquanto caminhávamos pela sua plantação de poucos e insistentes alimentos, na comunidade de Ouricuri, município de Uauá, no sertão baiano.

Aqui e acolá havia um pé de mandioca, maracujá nativo, mandacaru, xique-xique, umbuzeiro e outras frutíferas.

“Quantos anos um pé de acerola leva para chegar nesse tamanho?”, perguntei ao agricultor, apontando um arbusto de metro e meio, brotado de um chão seco, puro pó avermelhado.

A resposta alargou minha compreensão:

“Depende, minha filha. aqui, não tem tanto valor os anos. No sertão, o tempo se conta em chuvas”.

Contrariando o destino imposto pela falta de oportunidades, seu Alcides escolheu ser mais teimoso que a caatinga. “Eu resolvi ficar e aprender com a natureza. Tudo nela tem uma razão de ser”.

Umbu

Seu Alcides é um dos entrevistados do episódio sobre o umbuzeiro, descrito como a “árvore sagrada do sertão” por Euclides da Cunha, em Os Sertões.

A alcunha tem motivo: além de o umbu saciar a sede do sertanejo, dele tudo se aproveita! No filme, mostramos a dedicação de quem preserva e gera renda a partir deste delicioso fruto, que infelizmente está ameaçado de extinção.

Butiá

Gravamos o episódio sobre o Butiá em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A forte relação das comunidades tradicionais com este fruto é um fator fundamental para a conservação. O que vimos foi um resgate do uso do butiá por meio da criatividade e empreendedorismo local, com a produção de cervejas, sorvetes, geleias, cachaças, picolés e outras receitas de dar água na boca, além de festivais e feiras que buscam divulgar e valorizar a espécie.

Também conhecido como coquinho azedo, o butiá é um fruto cor amarelo-alaranjada de palmeiras que ocorrem nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. Ao todo, são 20 espécies desta palmeira, com ocorrência nos campos, cerrados e restingas da Argentina, Paraguai e Uruguai, além do Brasil.

Baunilha do cerrado

O cerrado é reconhecido como a savana mais rica em diversidade do mundo, abrigando cerca de 5% da fauna e flora de todo o planeta. São quase 12 mil espécies de plantas nativas na região.

Além disso, o cerrado é considerado a caixa d'água do Brasil, por conta das nascentes que dão origem às três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica, São Francisco e Prata. Localizado principalmente no centro do país, o cerrado faz conexão com outros biomas: Caatinga, Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. É neste ambiente tão biodiverso, mais especificamente no território Kalunga, a maior comunidade quilombola do Brasil, em Goiás, que se desenvolve uma baunilha nativa.

Originalmente cultivada pelos povos mesoamericanos pré-colombianos, a iguaria parece ter sido levada para a Europa juntamente com o chocolate na década de 1520.

A baunilha que vimos lá no povo Kalunga possui raízes grossas e aéreas, folhas ovais em forma de lança e de cor verde escura. As suas flores são verde-amareladas e o fruto mede de 20 a 25 cm de comprimento e tem o formato alongado. O aroma das baunilhas é rico, adocicado e forte.

Guaraná indígena

Inventores da cultura do guaraná, o povo Sateré-mawé semi-domesticou a trepadeira silvestre há centenas de anos e criou o processo de beneficiamento da planta, possibilitando que ela se tornasse conhecida e consumida no mundo inteiro.

Para eles, o guaraná (waranã) é uma espécie sagrada, fonte de sabedoria.

Até hoje, eles não tomam nenhuma decisão coletiva importante sem o consentimento da bebida que produzem a partir do fruto, que não tem nada a ver com o refrigerante que se tornou popular adotando o nome da fruta.

Castanha da Amazônia

A trabalhadora rural Leide Aquino, 55, cresceu quebrando castanha. "Aqui a gente aprende a ser quebradeira assim desde que tem força para segurar o facão", salienta. Nas contas dela, o esforço vale a pena. "Você tem que andar dentro da mata e carregar bastante peso, mas para nós a safra da castanha sempre significou um período em que todo mundo tem dinheiro no bolso".

Moradora da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre - uma área de 970.570 hectares, pioneira no conceito de unidade de conservação de uso sustentável -, Leide testemunha o avanço da derrubada dos castanhais no entorno. A criação bovina prospera ao longo dos 187 quilômetros de estradas que ligam Rio Branco a Xapuri, município onde ela vive.

No lugar da floresta, o que se vê até o horizonte é pasto e gado. Exceto por algumas árvores solitárias aqui e acolá: são as castanheiras, uma das espécies mais imponentes - e também mais vulneráveis - da Amazônia.

O engenheiro florestal Flúvio Mascarenhas explica a paisagem: "Nenhum fazendeiro da região corta a castanheira porque ela é protegida por lei, mas a supressão da mata ao seu redor fará com que ela morra isolada. O que vemos nestes locais são verdadeiros cemitérios de árvores".

O cenário de desmatamento só termina quando esbarra na placa que indica o início da Resex, de onde sai boa parte da castanha consumida pelo mundo.

"Uma castanheira no seu habitat natural tem um aspecto totalmente diferente. Ela começa a produzir com oito anos e pode seguir assim por séculos. Mas quando está ilhada no campo, a castanheira fica inalcançável aos polinizadores, que utilizam os substratos da flora associada como escada", explica Flúvio.


Episódios da série Sementes do Amanhã

  1. Buriti
  2. Açaí Juçara
  3. Castanha do Brasil
  4. Butiá
  5. Umbu
  6. Baunilha do Cerrado
  7. Pinhão
  8. Cacau Cabruca
  9. Mel - Abelhas Nativas
  10. Guaraná
  11. Ostra
  12. Pirarucu
  13. Castanha do Baru

Siga @sementesdoamanhadoc no Instagram e assista a série completa gratuitamente no portal dos canais da Globo na internet.

Leia também no Nosso Bem Estar: A importância da biodiversidade.


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Nanda Barreto

Nanda Barreto

Jornalista, poeta, feminista y otras cositas más

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