Luz, câmera, sociobiodiversidade em ação
Série "Sementes do Amanhã": um pouco do que vi e vivi nos 10 meses percorrendo o Brasil e conhecendo práticas sustentáveis de cultivo e manejo
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Para realizar a série Sementes do Amanhã, entrevistamos dezenas de agricultoras extrativistas, ambientalistas, pescadoras e pesquisadoras.
Nas linhas a seguir, ofereço um pouquinho do que vi e vivi.
A caatinga ensina: resistir é conviver
Era fevereiro e a seca estava tinhosa. Havia semanas que não caía um pingo d’água por ali, me contava seu Alcides Peixinho do Nascimento, 60 e poucos anos, enquanto caminhávamos pela sua plantação de poucos e insistentes alimentos, na comunidade de Ouricuri, município de Uauá, no sertão baiano.
Aqui e acolá havia um pé de mandioca, maracujá nativo, mandacaru, xique-xique, umbuzeiro e outras frutíferas.
“Quantos anos um pé de acerola leva para chegar nesse tamanho?”, perguntei ao agricultor, apontando um arbusto de metro e meio, brotado de um chão seco, puro pó avermelhado.
A resposta alargou minha compreensão:
“Depende, minha filha. aqui, não tem tanto valor os anos. No sertão, o tempo se conta em chuvas”.
Contrariando o destino imposto pela falta de oportunidades, seu Alcides escolheu ser mais teimoso que a caatinga. “Eu resolvi ficar e aprender com a natureza. Tudo nela tem uma razão de ser”.
Umbu
Seu Alcides é um dos entrevistados do episódio sobre o umbuzeiro, descrito como a “árvore sagrada do sertão” por Euclides da Cunha, em Os Sertões.
A alcunha tem motivo: além de o umbu saciar a sede do sertanejo, dele tudo se aproveita! No filme, mostramos a dedicação de quem preserva e gera renda a partir deste delicioso fruto, que infelizmente está ameaçado de extinção.
Butiá
Gravamos o episódio sobre o Butiá em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A forte relação das comunidades tradicionais com este fruto é um fator fundamental para a conservação. O que vimos foi um resgate do uso do butiá por meio da criatividade e empreendedorismo local, com a produção de cervejas, sorvetes, geleias, cachaças, picolés e outras receitas de dar água na boca, além de festivais e feiras que buscam divulgar e valorizar a espécie.
Também conhecido como coquinho azedo, o butiá é um fruto cor amarelo-alaranjada de palmeiras que ocorrem nas regiões Sul, Sudeste e Centro Oeste. Ao todo, são 20 espécies desta palmeira, com ocorrência nos campos, cerrados e restingas da Argentina, Paraguai e Uruguai, além do Brasil.
Baunilha do cerrado
O cerrado é reconhecido como a savana mais rica em diversidade do mundo, abrigando cerca de 5% da fauna e flora de todo o planeta. São quase 12 mil espécies de plantas nativas na região.
Além disso, o cerrado é considerado a caixa d'água do Brasil, por conta das nascentes que dão origem às três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica, São Francisco e Prata. Localizado principalmente no centro do país, o cerrado faz conexão com outros biomas: Caatinga, Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica. É neste ambiente tão biodiverso, mais especificamente no território Kalunga, a maior comunidade quilombola do Brasil, em Goiás, que se desenvolve uma baunilha nativa.
Originalmente cultivada pelos povos mesoamericanos pré-colombianos, a iguaria parece ter sido levada para a Europa juntamente com o chocolate na década de 1520.
A baunilha que vimos lá no povo Kalunga possui raízes grossas e aéreas, folhas ovais em forma de lança e de cor verde escura. As suas flores são verde-amareladas e o fruto mede de 20 a 25 cm de comprimento e tem o formato alongado. O aroma das baunilhas é rico, adocicado e forte.
Guaraná indígena
Inventores da cultura do guaraná, o povo Sateré-mawé semi-domesticou a trepadeira silvestre há centenas de anos e criou o processo de beneficiamento da planta, possibilitando que ela se tornasse conhecida e consumida no mundo inteiro.
Para eles, o guaraná (waranã) é uma espécie sagrada, fonte de sabedoria.
Até hoje, eles não tomam nenhuma decisão coletiva importante sem o consentimento da bebida que produzem a partir do fruto, que não tem nada a ver com o refrigerante que se tornou popular adotando o nome da fruta.
Castanha da Amazônia
A trabalhadora rural Leide Aquino, 55, cresceu quebrando castanha. "Aqui a gente aprende a ser quebradeira assim desde que tem força para segurar o facão", salienta. Nas contas dela, o esforço vale a pena. "Você tem que andar dentro da mata e carregar bastante peso, mas para nós a safra da castanha sempre significou um período em que todo mundo tem dinheiro no bolso".
Moradora da Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes, no Acre - uma área de 970.570 hectares, pioneira no conceito de unidade de conservação de uso sustentável -, Leide testemunha o avanço da derrubada dos castanhais no entorno. A criação bovina prospera ao longo dos 187 quilômetros de estradas que ligam Rio Branco a Xapuri, município onde ela vive.
No lugar da floresta, o que se vê até o horizonte é pasto e gado. Exceto por algumas árvores solitárias aqui e acolá: são as castanheiras, uma das espécies mais imponentes - e também mais vulneráveis - da Amazônia.
O engenheiro florestal Flúvio Mascarenhas explica a paisagem: "Nenhum fazendeiro da região corta a castanheira porque ela é protegida por lei, mas a supressão da mata ao seu redor fará com que ela morra isolada. O que vemos nestes locais são verdadeiros cemitérios de árvores".
O cenário de desmatamento só termina quando esbarra na placa que indica o início da Resex, de onde sai boa parte da castanha consumida pelo mundo.
"Uma castanheira no seu habitat natural tem um aspecto totalmente diferente. Ela começa a produzir com oito anos e pode seguir assim por séculos. Mas quando está ilhada no campo, a castanheira fica inalcançável aos polinizadores, que utilizam os substratos da flora associada como escada", explica Flúvio.
Episódios da série Sementes do Amanhã
- Buriti
- Açaí Juçara
- Castanha do Brasil
- Butiá
- Umbu
- Baunilha do Cerrado
- Pinhão
- Cacau Cabruca
- Mel - Abelhas Nativas
- Guaraná
- Ostra
- Pirarucu
- Castanha do Baru
Siga @sementesdoamanhadoc no Instagram e assista a série completa gratuitamente no portal dos canais da Globo na internet.
Leia também no Nosso Bem Estar: A importância da biodiversidade.