Do cacau ao corpo por inteiro
Das coisas simples que exigem nossa presença total
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Neste inverno tive um novo aprendizado. Participei de uma vivência como “chef” de receitas com chocolate. Me senti uma “chocolatièr” – profissional que se aprofunda na história, fabricação e criação de receitas com base no chocolate.
Durante duas horas, um divertido grupo de pessoas ligadas à comunicação, pouco afeitas às lides culinárias, travou um gostoso tête-à-tête com o universo do chocolate, ora com ternura, ora com trapalhadas que faziam explodir gargalhadas no coletivo. Essa certamente foi a melhor parte da experiência, o coletivo. Depois dos anos pandêmicos, toda interação é tão mais valiosa!
“Mas, você participou? Adepta da alimentação saudável, avessa a industrializados, excesso de embalagens, consumo desnecessário, enfim, elementos que também fazem parte do ‘mercado’ do chocolate?” Sim. Fui prestigiar uma empresa local que produz chocolate em Flores da Cunha e em Gramado, tem 35 anos de história e comercializa em todo o Brasil. Quanto à alimentação saudável, conhecer e adquirir consciência sobre cada alimento e sua energia é um passo importante. Ainda mais quando se trata de um alimento com cerca de 4 mil anos de história e cujo consumo começou aqui no continente americano.
Nibs de cacau - Foto Rose Brogliato
Apresentada ao fruto do cacau, aos nibs (amei!) e a todos os passos do processamento do chocolate, me preparei para a etapa seguinte. Devidamente paramentada com touquinha, luvas e avental, coloquei a mão na massa e fiz a “tablagem” (imagine, eu!), bombons e mais uma série de receitas lindas que deixaram todos orgulhosos da façanha.
Depois recebemos um e-book com as informações sobre os produtos, ingredientes e preparo das receitas. E, claro, as gostosuras que tínhamos preparado.
O grupo convidado foi o primeiro a participar da Experiência Gourmet DeCacau oferecida ao público nesta estação. Uma forma criativa de apresentar produtos, promover encontros e proporcionar uma experiência dos sentidos, prazerosa e diferente.
Experiência Gourmet DeCacau - Foto Elisa Assmann
Saí de lá com as bochechas doendo de tanto rir – e olhe que levei tudo muito a sério! Fiquei pensando sobre o quanto esquecemos, no doido cotidiano, das coisas mais simples e que exigem nossa presença total. Preparar alimentos, pensar sobre o preparo, sobre cada ingrediente. Sentir aromas, texturas, testar habilidades, conformar-se com as inabilidades (procurem sobre “tablagem do chocolate”).
Talvez você lembre da infância, do pão quente saindo do forno, do aroma de sagu fervendo, de colher alfaces na horta, do cheiro de terra que brotava ao arrancar cenouras. E seus filhos? Seus netos? O que é e de onde vem o alimento deles? Eles sabem? Vivenciam?
Lembrei de um trecho do livro Banzeiro Òkòtó, de Eliane Brum. Ao decidir morar na Amazônia, ela foi obrigada a perceber o corpo inteiro:
Quem entra na floresta pela primeira vez não sabe o que fazer com os sentidos que sente, com as partes do corpo que desconhecia e que de repente nunca mais a deixará. Em algum momento, adoecem, porque o corpo da cidade, acostumado a fingir que não existe, para poder se robotizar diante do computador, não sabe o que fazer de si. Esse corpo se ocupava em dez por cento, porque reprimido de tudo, e agora todos os cem por cento lhe chegam de uma vez.
O alimento é nossa fonte de vida. Que todos tenham o direito ao alimento e a vivenciá-lo com os sentidos.
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