A hipnose como ela é
Atenção e concentração são elevadas na hipnose
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Por Hélius Sironi de Moraes*
O ato de hipnotizar ou colocar alguém em transe já foi amplamente retratado no cinema, na televisão brasileira em nossos programas de domingo e mais recentemente num reality show global. Geralmente a prática vem envolvida por uma aura de mistério, aonde de um lado está o hipnólogo, cujas palavras mágicas seriam capazes de levar qualquer pessoa a um estado mental de vulnerabilidade. De outro lado, estaria o hipnotizado, sujeito passivo de aceitar ordens e comandos do seu mestre, sem questionar: apenas obediência pela obediência, ao ponto em que comer uma cebola pensando que é uma maçã não lhe soaria estranho.
Nesses anos de hipnose clínica e de entretenimento eu já vi muita coisa e acredito que ainda verei. Penso que, no futuro, essa terapia possa ser melhor compreendida pelos meus colegas de classe, bem como por aqueles que – assim como eu em algum momento – só possuem o entendimento passado através da televisão. Então resolvi aproveitar este espaço para difundir um pouco mais sobre esse tema, explicando a técnica, bem como diluindo alguns mitos. Acompanha comigo!
Auto-hipnose
A hipnose é a técnica que aumenta o nível de atenção e concentração da pessoa, por meio da ativação de elementos sensoriais, tais como olfato, tato, paladar, visão e audição. A elevação dessas duas faculdades mentais geralmente coloca a pessoa numa condição mais sugestionável aos estímulos ambientais.
Por exemplo: imagine-se assistindo a um filme de suspense, aonde a personagem principal está pronta para abrir uma porta, cuja qual dará a um ambiente totalmente desconhecido. Para compor a cena, a produção do filme aplica o efeito sonoro de ranger a porta, designa uma trilha sonora que procura aumentar a tensão da cena, para que nesse momento a sensopercepção beire ao clímax. Você, afundado no seu sofá, olhos arregalados e boca cheia de pipocas, apenas aguardando – com o coração quase saindo pela boca – a tal da porta ser aberta para ver o que há do outo lado! Concebeu a cena? Já se viu numa situação assim? Então certamente você já foi hipnotizado, ou melhor: já se hipnotizou.
Nos colocamos em transe em diversas situações ao longo do dia, cujas quais, sem nos darmos conta, vemos nossa atenção altamente capturada por algum estímulo sensoperceptivo. Isso ocorre com filmes, com cheiros de comida, com as propagandas que observamos diariamente nos meios digitais e, até mesmo com esse texto, à medida que vou assimilando aquilo que o autor descreve.
É importante destacar que há um elemento chave para que todo esse estímulo funcione: a direção de sua atenção! Em outras palavras: a sua vontade. E aqui se vai um mito: você só é hipnotizado se você deixar, se você quiser ser hipnotizado. Do contrário, não há possibilidade de forçar sua atenção para algo e/ou alguém que você não queira. Não tem como eu ou qualquer outra pessoa colocar você em transe – pedir para você sair pelado pela rua ou dar sua senha do cartão de crédito – caso você realmente não queira isso.
Hipnose Clínica
João (nome fictício) tinha um medo muito grande de dentista. Para ele, só de estar na sala de espera e ouvir o zumbido do motorzinho já era motivo suficiente para captar sua atenção, fazendo-o tremer, coração disparar e ansiar desesperadamente.
Na primeira sessão, o foco foi trabalhar a emoção da ansiedade. Durante o transe, João foi convidado a buscar a primeira vez em que se sentira ansioso tal e qual fica quando escuta o zumbido de motor na sala de espera do dentista. João então, foi para uma memória aonde, aos 4 anos de idade, acordou engasgado por uma mosca. Na narrativa, via-se em terceira pessoa, dormindo e incomodado com o zumbido que o inseto fazia. Contudo, o barulho não fora suficiente para lhe acordar. Só aconteceu, quando a mosca adentrou na sua boca e bloqueou sua respiração, deixando-o sem ar, sufocado, ansioso e angustiado!
Ter acesso a essa vivência já é suficiente para que a pessoa consiga explicar o porquê do medo do dentista, contudo não dissipa a ansiedade e a angústia. É necessário trabalhar na sua diminuição. Para tanto, na técnica da regressão, a figura atual do João foi convidada a “voltar”, a se “transportar” para aquela experiência e auxiliar a criança a diminuir a valência dessas emoções.
Quando trazemos à tona essas emoções na mesma escala de intensidade em que ela ocorreu e, no momento presente solicitamos à pessoa que lhes diminua, aplica-se uma dessensibilização à emoção. De maneira tal que, quando algum evento tornar a despertar essas emoções, a intensidade de sua manifestação será menor.
Esse fenômeno é bem fácil de ser explicado: como o ser humano é uma criatura muito esperta, ele fará de tudo para repetir as emoções boas e repelir as ruins. Por isso, acaba criando atalhos cognitivos que lhe gerem economia mental, com o intuito de evitar desprazer ou encurtar o caminho para a satisfação. No caso de João, o barulho do motorzinho era associado ao zumbido da mosca e, de maneira subconsciente, compreendido como uma regra: qualquer zumbido deve me deixar alerta, pois algo de ruim vai acontecer. O problema está nessas regras, nas verdades absolutas que dão base para esses atalhos cognitivos: elas podem restringir sua capacidade de enxergar o mesmo fenômeno por um ponto de vista diferente do que está acostumado. Isso impede que você experiencie o mundo de uma infinidade de maneiras diferentes.
Então, partindo do pressuposto que durante o transe da hipnose você se encontra num rebaixamento das suas funções críticas/resistências, bastaria colocar-se em transe para conseguir acesso a essas regras e modificá-las. Essa é a hipnose clínica como ela é: nada de extravagâncias, apenas técnica pela técnica.
*Hélius Sironi de Moraes, é psicólogo clínico de orientação analítica com formação em Hipnose Clínica, Rápida, Regressiva e de Emagrecimento pela GetMind e certificação de Practitioner in Hypnosis pelo instituto alemão Atlantic Hypnosis.