A comida do futuro será a comida do passado
Receita é uma nova consciência ecológica e social

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O período da pandemia levou muitas pessoas a (re) descobrir as cozinhas de suas casas. Foi como uma janela que se descortinou para exercitar o relacionamento com forno e fogão, se aventurar em novas receitas e/ou praticar o gesto de amor na elaboração de alimentos.
A necessidade de manter o corpo imune despertou mais pessoas sobre a importância de comer de forma saudável, buscar alimentos orgânicos e conferir (rigorosamente) os rótulos de produtos embalados.
Os mais conscientes buscaram receitas para aproveitamento integral dos ingredientes e a redução de desperdícios. Os ainda mais conscientes voltaram o olhar para cozinhas vazias e passaram a doar cestas básicas.
A nova dinâmica soou quase como um retorno ao tempo das avós. Muita gente gostou e procurou manter as práticas na nova rotina de vida.
Alguns se aventuraram até a plantar, no quintal ou vasos em apartamentos. Um jeito de voltar às origens, de aprender agricultura, de conhecer sobre o ciclo da vida e de onde vêm os alimentos.
Consciência
Cresce a consciência de que, para ter um corpo com alta imunidade e para construir sociedades sadias, a comida do futuro terá que ser a comida do passado. Comia-se menos carnes e mais vegetais. Menos comidas em embalagens e mais em cascas. E predominantemente alimentos orgânicos.
A produção e o processamento industrial dos alimentos nas últimas décadas trouxeram consigo um rastro de intoxicações e envenenamentos causadores de doenças e de desnutrição. A própria obesidade pode estar associada à intoxicação que impede o corpo de absorver os nutrientes, impelindo a pessoa a comer mais e mais para saciar uma “fome crônica” que não consegue ser satisfeita.
O modo de produção em larga escala à base de agrotóxicos e adubos químicos, - advogado como o método salvador para “matar a fome da população” - também não cumpriu seu papel.
O Brasil de 2023, por exemplo, deverá colher mais uma safra recorde de grãos. Serão mais de 300 milhões de toneladas, num país de 203 milhões de habitantes (Censo 2022). Significa mais de uma tonelada por habitante por ano, ou cerca de três quilos de grãos por dia para cada pessoa.
Some-se a este alimento toda a produção de verduras, legumes, frutas, ovos e o abate anual de cerca de 30 milhões de cabeças de gado e de 06 bilhões de frangos.
A produção brasileira é mais do que suficiente para suprir a demanda alimentar de sua população.
Mas, mesmo com toda esta produção, nos últimos anos, o Brasil voltou a figurar no cenário do Mapa da Fome da Organização das Nações Unidas (ONU).
O país havia saído do Mapa da Fome em 2014, após adotar uma série de estratégias de segurança alimentar e nutricional. Em poucos anos perdeu muito.
Os dados de 2022 apontaram que 33,1 milhões de pessoas no país não têm garantido o que comer — o que representa o ingresso 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome, conforme levantamento do Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar. O estudo indica ainda que mais da metade (58,7%) da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave (Fonte: Agência Senado).
Orgânicos x remédios
A indústria do agronegócio à base de adubos químicos e agrotóxicos é controlada pelas mesmas corporações que dominam a indústria farmacêutica. Uma nos envenena com seus "alimentos" e a outra nos vende a "cura" através dos remédios. O objetivo por trás de tudo é claramente lucrar e não alimentar a população.
Comer alimentos orgânicos promove a saúde, desperta os sentidos para os sabores de verdade, valoriza o trabalho dos agricultores e amplia a nossa relação com a produção e elaboração de alimentos.
O Rio Grande do Sul é referência no Brasil na produção de orgânicos. Temos a maior feira orgânica a céu aberto da América Latina, em Porto Alegre, a maior colheita de arroz orgânico do mundo, produzido pelos assentamentos do MST, e a capital Nacional da Agroecologia, em IPÊ, na Serra Gaúcha.
A produção e envase de alimentos orgânicos processados iniciou há mais de 30 anos e temos marcas tradicionais e confiáveis (algumas sob o comando da segunda geração), tais como Sítio Palmará, Aécia, Pérola da Terra, Ecocitrus, Shambala (de gaúchos que se mudaram para Santa Catarina) e tantas outras. A própria certificação de selo orgânico é feita em Rede, de forma horizontal e colaborativa.
Feiras ecológicas da Redenção, em Porto Alegre
O consumo de alimentos orgânicos não para de crescer. A quantidade de feiras orgânicas e de lojas certificadas também. Em junho de 2019, as feiras ecológicas da Redenção, em Porto Alegre, foram reconhecidas pela Lei Estadual Lei nº 15.296 como de relevante interesse cultural do Estado do Rio Grande do Sul.
Cresce também o apreço pelo conhecimento e consumo de novas plantas para comer saudável e com diversidade, as chamadas PANCs (Plantas Alimentícias Não-Convencionais). Estima-se que existam 300 mil tipos de plantas comestíveis, mas utilizamos menos de 1% na alimentação.
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