Muito mais do que sol e mar
Aproveite o verão para observar essa beleza escondida
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Se estás na praia, entediado, aproveita para observar a riqueza e o diferencial da biodiversidade. Comece com uma caminhada nas dunas.
Você estará percorrendo ecossistemas litorâneos, das chamadas Formações Pioneiras, protegidos pela Lei da Mata Atlântica, mesmo não sendo ambientes florestais.
No litoral do Rio Grande do Sul existe também uma flora muito característica, a começar por plantas bem espalhadas sobre a superfície (com estolões para se fixar e resistir aos ventos fortes e à alta mobilidade da areia), enfrentando corajosamente a dinâmica das dunas móveis.
Algumas destas plantas têm estruturas suculentas, como a margarida-das-dunas (Senecio crassiflorus), ou folhas aerodinâmicas para resistir ao vento nordestão, como o capim-das-dunas (Panicum recemosum).
Carnívoras
Na areia úmida, tem uma espécie de planta carnívora, muito lindinha, com folhas meio avermelhadas que destilam, por meio de seus pelos, substâncias pegajosas para capturar formiguinhas ou outros pequenos artrópodes, chamada pelos botânicos de Drosera brevifolia. Nestes solos úmidos e ácidos, elas têm que recorrer a animais para obter o Nitrogênio, já que a acidez não permite que obtenham do solo este elemento químico essencial a estas e outras plantas.
Outra planta muito característica, que acompanha a Drosera, é um pequeno fóssil vivo, o "licopódio" (Lycopodiella alopecuroides), em forma cilíndrica, como um mini pinheirinho de micro folhas espiraladas, parente de outrora plantas gigantes que viveram em florestas paludosas, há mais de 400 milhões de anos. Estas plantas foram responsáveis por formar grande parte do carvão mineral criado em solo gaúcho como resultante de sua morte e sedimentação de seus restos vegetais.
Dá pra destacar também o gelol-da-praia (Polygala cyparissias), planta de dunas de altura média ou pequena, com raízes que possuem cheiro de gelol, contendo salicilato de metila, usadas popularmente, em mistura a álcool e água, para contusões ou machucados.
Atrás das pegadas
Se queres apreciar a fauna, cabe procurar ver ou observar pegadas ou vestígios de animais, da cor da areia, nas dunas litorâneas. Alguns deles estão ameaçados de extinção e infelizmente em declínio populacional, se não fizermos nada.
A Lagartixa-das-dunas (Liolaemus occipitalis) e o Tuco-tuco-branco (Ctenomys flamarioni) vivem ali há milhares de anos, mas correm perigo pela urbanização, invasão biológica de plantas exóticas como pinus, casuarina ou braquiária (que ironia sonora, rsrs...) e subida crescente do mar, devido às mudanças climáticas.
Pequenos sapinhos da cor da areia também são vistos e, conjuntamente com os anteriores, dão a entender que aqueles ambientes ou ecossistemas de dunas selecionaram espécies, ao longo de milhares ou milhões de anos, para camuflagem na areia.
Talvez você encontre ainda as corujas buraqueiras, que caçam à noite ou talvez de dia, fazendo ninhos em cristas de dunas de tamanhos médios e deixando ossinhos de seus banquetes na porta de suas moradias.
Não raro, se vê pegadas de mãos peladas, graxains, capivaras, tatus e até emas que andam ali ocasionalmente, mas são também vistas em outros ecossistemas de campos ou matas do Pampa. Não raro, também, se vê casais de aves de cor preta e branca com bicos longos e alaranjados, chamadas biru-biru.
Por entre planícies arenosas, podem ocorrer pequenos laguinhos cercados de juncos que vão possuir fauna característica de anfíbios que cantarolam à noite, principalmente depois das chuvas. Em pequenos laguinhos vão ocorrer também peixes anuais exclusivos destes ambientes.
Tem muito mais coisa interessante na planície costeira, mas tudo depende de se olhar para baixo, pro lado e observar essa beleza escondida de nossos olhos que não estão acostumados a perceber a natureza que nos cerca e da qual dependemos.
Paulo Brack é biólogo, mestre em Botânica, doutor em Ecologia, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.