Retomada Kaingang em Porto Alegre tem apoio de 38 entidades
Processo de demarcação da área se arrasta na Funai desde 2009
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Por Adriane Bertoglio Rodrigues*
Na tarde de 23 de fevereiro de 2023, ambientalistas da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) estiveram na Retomada Kaingang do Morro Santana, em Porto Alegre, quando entregaram um documento de apoio com a assinatura de 38 entidades e organizações em defesa da demarcação e da legalização dessa área, considerada sagrada pelos indígenas Kaingang e Xokleng.
O Manifesto em apoio à Retomada Gah Ré foi entregue à Cacica Kaingang Gah Té (Iracema), que estava acompanhada das irmãs Terezinha e Zenaide e do seu filho, o vice-cacique Carindé.
Na oportunidade, os ambientalistas e conselheiros da Agapan entregaram de forma simbólica um fogão à lenha, adquirido pela Associação a partir de doações dos associados e pessoas de outras entidades.
Como encaminhamento, o grupo identificou durante a visita que a comunidade necessita de uma escola na área da Retomada, para que as crianças (em torno de 20, atualmente) recebam educação básica. Assim, as entidades irão apoiar esse processo junto aos órgãos públicos.
“A comunidade está atuando de forma legítima, em defesa de seus interesses de posse de um território ancestral. Enquanto isso, as crianças e adolescentes indígenas não podem ficar desamparados, sem acesso a uma educação que privilegie suas formações, dentro do processo legal, mas respeitando as características, valores e tradições”, avaliou o presidente da Agapan, Heverton Lacerda, ao entregar para a Cacica o manifesto de apoio à causa, específico da Associação.
Lacerda esteve acompanhado dos conselheiros Zoravia Betiol, Silvio Jardim, Flávia Frediani, Celso Marques e Adriane Bertoglio Rodrigues.
Raízes e frutos
A área indígena possui 17,5 hectares e está situada na região norte de Porto Alegre, sentido Viamão. Lá vivem 60 pessoas, sendo 20 crianças. “Temos um recém-nascido e duas indígenas estão grávidas”, conta, feliz, a Cacica.
Nesses quatro meses de luta pela demarcação e reconhecimento legítimo dessa terra, Kaingang e os seis Xokleng plantaram e estão colhendo milho, feijão verde, tomate, abobrinha e pepino. “Plantamos onde tem espaço. Não vamos derrubar o mato, mas plantar mais árvores e alimento, inclusive para os bugios, que estão reaparecendo na área com os seus filhotes. Precisamos plantar o que eles gostam de comer”, salientou a Cacica, ao reafirmar que “reflorestar é o nosso projeto”.
Sobre a parte legal da Retomada, a Cacica esteve recentemente em Brasília, onde protocolou, junto ao recém criado Ministério dos Povos Indígenas, um pedido de reconhecimento da Terra no Morro Santana.
“Recebemos o apoio do Ministério e devemos marcar, ainda para março, aqui no RS, uma reunião com as bases indígenas para elaborar e apresentar uma proposta política para os povos indígenas junto com o Estado e o município”, anunciou Gah Té.
O processo de demarcação dessa área Kaingang no Morro Santana se arrasta na Funai desde 2009. “Precisamos retomar o GT (Grupo de Trabalho) da demarcação”, destaca a Cacica.
Resistência
O conselheiro da Agapan, Silvio Jardim, enfatizou a importância do GT, da criação de uma frente de apoio civil, e da conquista da demarcação da Terra Indígena. “Apenas 3,5% do território do RS é ocupado por indígenas e, apesar de pouco, boa parte dessas áreas é de preservação”, avalia. No Brasil, Jardim contabiliza 13% do território como área indígena. “Dessas áreas, 98% são de Preservação Permanente”.
Segundo Silvio Jardim, a luta desses povos Kaingang e Xokleng pela área do Morro Santana será definida em uma audiência de reconciliação. “A terra é ancestral e as organizações indígenas estão se fortalecendo, assim como os apoios que têm recebido de suas relações de poder”, analisa o ambientalista, ao defender a resistência e a consolidação de uma política de reparação aos indígenas, incluindo as áreas da saúde e da produção de alimentos. “Resistir é fundamental”, afirma.
“Esse apoio, somado a todos os outros que recebemos, é uma necessidade. Para amar e respeitar onde se está pisando, a criança tem que ser ensinada e ter consciência de como se lida com a Mãe Terra, que ainda nos dá o alimento, e de que nossa luta tem um propósito, pois não estamos fazendo nada errado”, justifica a Cacica.
A Cacica Gah Té recorda palavras de seu avô, que viveu por mais de cem anos, ao preconizar que “preocupante será quando a maioria das pessoas tiver a mesma idade, quando não mais nascer crianças. Enquanto houver crianças nascendo, estamos ainda no equilíbrio e a Mãe Terra nos dá sinais de que ainda está nos aceitando. É por isso que devemos ter paciência e esperança, e é por isso que precisamos do outro, de vocês e desse apoio que nos fortalece”, conclui, ao agradecer pelo manifesto e pela visita dos ambientalistas.
* Adriane Bertoglio Rodrigues é jornalista, ambientalista e conselheira da Agapan