Olhar indígena
Expressões pejorativas integram o cotidiano
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A linguagem é a mais primária manifestação cultural de um povo. Neste sentido, é justo que haja uma revisão na linguagem da sociedade ocidental sobre a forma de se comunicar a respeito dos povos originários.
Expressões pejorativas que desvalorizam a cultura e os saberes indígenas são legados de uma educação eurocentrista e/ou colonizadora.
O coletivo Quadrinistas Indígenas é uma das organizações com o objetivo de demarcar os territórios das narrativas gráficas, criando histórias que falem das suas vivências como indígenas aldeados e urbanos, descolonizando pensamentos e conceitos que grande parte da população possui sobre povos originários.
Nada sobre nós, sem nós. Não precisamos e nem queremos que falem por nós e das nossas narrativas, sem nós. Queremos espaços para que nossas vozes e nossas lutas sejam escutadas. Não queremos ver esteriótipos e visões reducionistas de nossas cosmovisões desenvolvidas por não-indígenas. Queremos mais oportunidades para que indígenas em diversos territórios possam desenvolver e publicar suas histórias.
A orientação para toda a sociedade é uma maior atenção para com termos racistas e expressões depreciativas sobre os povos originários que precisam ser mudadas no vocabulário.
Mudança de linguagem
Conheça algumas expressões que devem ser abandonadas, conforme levantamento realizado pelo site Plural Curitiba:
Descobrimento do Brasil
O Brasil, evidentemente, não foi descoberto. Já havia milhões de povos nativos vivendo em terras brasileiras antes dos colonizadores chegarem. No processo colonizador, essas populações foram dizimadas, junto de suas culturas, línguas e costumes.
Por isso, falar em “descobrimento” do país, além de equivocado é fazer referência à violência extrema cometida contra os povos originários e negros do Brasil.
Índio
Apesar de ser muito utilizado atualmente, o termo “índio”, quando empregado por pessoas não-indígenas, carrega um imaginário estereotipado e perpetua ideias trazidas pela colonização.
A antropóloga Gabriela de Carvalho Freire explica que o termo é associado à chegada dos europeus no Brasil. “Eles chegaram aqui e acharam que estavam nas Índias, por isso chamavam a população originária de ‘índio’.”
Uma alternativa para o termo é utilizar a palavra “indígena”, que, segundo Gabriela, significa uma população originária, autóctone.
Marcelo Camargo - Agência Brasil
Tribo
O termo “tribo”, segundo a cartilha dos Quadrinistas Indígenas, remete a uma ideia de uma população primitiva, sem organização ou capacidade. Além disso, carrega um imaginário depreciativo de estereótipos e preconceitos.
Por isso, é preferível utilizar o termo “povo” ou, para se referir a um local ou território “aldeia” ou “comunidade”.
Tupiniquim (como sinônimo de brasileiro)
Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o povo Tupiniquim habita três Terras Indígenas em Aracruz, no norte do Espírito Santo. Atualmente, são cerca de 2.901 indígenas Tupiniquim no Brasil.
O termo Tupiniquim, no entanto, é comumente utilizado para se referir a algo nacional, por exemplo, ao invés de “cinema brasileiro”, utiliza-se “cinema Tupiniquim”. Conforme o ISA e a cartilha do Quadrinistas Indígenas, os Tupiniquim são um povo com especificidades e algo só é Tupiniquim se for produzido por eles.
“O uso do termo Tupinikim (ou Tupiniquim) como sinônimo de ‘ser brasileiro’ acaba apagando e trazendo difamação a toda uma cultura que resiste até hoje”, pontua a ilustradora do Quadrinistas Indígenas, Raquel Teixeira.
Tabajara (como sinônimo de algo falsificado ou ruim)
O povo Tabajara vive hoje em três estados brasileiros: Piauí, Ceará e Paraíba. São cerca de 2.881 indígenas. Utilizar o nome de um povo para designar algo negativo ou de má qualidade é uma forma de discriminá-lo.
“Quando são utilizado falas/termos que associam toda uma raça a questões pejorativas e negativas, depreciando a forma de viver, apagando ou revivendo estereótipos colonialistas, podemos considerar como violências aos povos indígenas. Ao evitar o uso de tais termos, podemos respeitar diversas etnias que já sofrem com políticas públicas pouco favoráveis à perpetuação de sua cultura”, diz Raquel.
Programa de índio
Comum no cotidiano das pessoas, a expressão “programa de índio” é outra forma de associar as populações originárias a alguma atividade ou evento considerado chato, entediante.
“Essa expressão também é uma forma pejorativa de olhar para os costumes indígenas, como se fossem coisas atrasadas e não interessantes”, afirma Gabriela.
Muito cacique para pouco índio
De acordo com a antropóloga, a expressão “muito cacique para pouco índio” se relaciona com o incômodo que as sociedades não-indígenas sentem com a forma de organização política das comunidades originárias.
“Geralmente, as populações indígenas se organizam de uma forma não tão centralizada como a nossa (com um Estado e algumas figuras que concentram a representação do poder). Elas não têm isso. Há uma divisão maior de poderes dentro da sociedade indígena. Essa expressão é uma forma preconceituosa que temos quando vemos a maneira de lidar com poder de um jeito diferente”, diz Gabriela Freire
Quem fala “mim” é índio
Existe uma ideia muito difundida entre a população brasileira de que os indígenas falariam usando o pronome “mim” seguido de um verbo no infinitivo. Por exemplo: “mim fazer”, “mim não comer”. Esse imaginário, inclusive, foi bastante repercutido em produções cinematográficas e desenhos animados (tanto norte-americanas quanto brasileiras) que representavam as populações originárias.
Atribuir essa construção considerada gramaticalmente errada pela norma culta da Língua Portuguesa aos povos originários é mais uma forma de discriminá-los.
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