Até que a Música Pare participa de festival no Rio
Cibele Tedesco e Hugo Lorensatti são protagonistas do longa gaúcho

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Emoldurado pela paisagem interiorana da Serra Gaúcha, o drama Até Que a Música Pare explora de forma delicada questões como luto, tradição, diversidade religiosa e o impacto da polarização política na vida cotidiana das famílias. Os diálogos são em talian, idioma de características próprias preservado pelos descendentes de imigrantes italianos que se instalaram na região no final do século XIX.
Sobre o filme
Exibido no Festival Première Brasil, realizado no Rio de Janeiro de 05 a 15 de outubro de 2023, o filme foi inspirado pelo relato de uma situação que ocorreu na família de uma amiga da diretora Cristiane Oliveira, que também assina o roteiro da produção.
“É uma história sobre ética nas relações”, comentou a cineasta, que chega ao seu terceiro longa-metragem neste projeto. Os anteriores foram Mulher do Pai, vencedor do Prêmio de Melhor Direção no Festival do Rio, e A Primeira Morte de Joana (2021).
O enredo acompanha uma matriarca que reavalia sua relação com seu marido em uma fase delicada da dinâmica familiar. O último filho que ainda morava com os pais saiu de casa em um momento em que a família ainda processa a morte de outro filho, que estava brigado com o pai quando foi vítima de um acidente automobilístico.
Chiara, a matriarca interpretada por Cibele Tedesco, enfrenta um momento de solidão e decide acompanhar o marido, Alfredo (Hugo Lorensatti) pelas viagens que faz pela região da Serra Gaúcha vendendo mercadorias. A experiência coloca em perspectiva 50 anos de casamento.
“Esse filme dialoga muito com essa dor, com essa escalada de discursos de ódio que fez com que muitas famílias tivessem fissuras, como um vidro que trinca e não se cola mais”, avalia a diretora Cristiane Oliveira. “É uma dor que permeou todo o nosso processo. Qual o limite da nossa tolerância? É uma pergunta difícil de responder. Quais são as palavras que fazem a gente desistir de quem amamos?”
Talian
Para encontrar um elenco fluente em talian, Cristiane Oliveira convidou atores do grupo de teatro Miseri Coloni, de Caxias do Sul (RS), que atua há 40 anos promovendo o idioma em suas montagens. O contato com o elenco, conta a diretora, fez com que os atores trouxessem contribuições de suas vivências para a história. Em 2014, o talian foi reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Imaterial e Língua de Referência Cultural Brasileira.
A cineasta recordou que o talian já sofreu tentativas de apagamento e estigmatização no século XX e que propor a valorização dessa tradição foi um compromisso do filme. Durante as filmagens, a produção contou com uma especialista em talian acompanhando o dia-a-dia das gravações para garantir que as pronúncias dos diálogos trouxessem as características singulares do idioma que as distinguem do italiano tradicional.
“Existia um certo tabu e vergonha ao se manifestar publicamente neste linguajar porque ele era considerado uma linguagem de classe baixa”, comentou o ator Hugo Lorensatti, que também falou um pouco da origem da companhia de teatro Miseri Coloni, do qual faz parte. “Em virtude disso, muitos componentes do grupo que cresceram falando o talian entraram na luta para desmistificar e quebrar esse tabu para nos orgulhamos daquilo que é nossa cultura.”
A cantora e professora de música Cibele Tedesco estreou como atriz de cinema neste projeto e diz que se inspirou em mulheres de sua família para compor sua personagem.
“A gente vê na Chiara uma ingenuidade dessa mulher que ficou muito tempo fazendo as coisas que a mulher deveria fazer, no papel de mãe, de agricultora, de esposa. Ela comanda a casa, sendo comandada pelo marido de alguma forma. Me lembro da minha avó, das irmãs da minha avó. Me aproveitei disso e usei minha atuação como uma homenagem a essas mulheres que ainda existem”, disse, antes de completar: “Que bom que a Chiara de alguma forma acordou.”