A hora e a vez das mulheres na literatura
Representatividade feminina na literatura é promissora, mas livros escritos por homens ainda dominam as publicações das maiores editoras do país
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A Flip 2023 (Festa Literária Internacional de Paraty) - que encerrou no último domingo, dia 26 - homenageou acertadamente a escritora, jornalista, poeta, crítica e ícone feminista Patrícia Rehder Galvão (1910-1962), mais conhecida como Pagu. E sem dúvida, foi uma edição singular: dos 44 autores convidados, 32 eram mulheres (entre elas, negras, indígenas e LGBTQIAP+). O evento também abriu espaço para importantes debates envolvendo o movimento de mulheres (nas mais diversas áreas e aspectos) e o papel feminino na literatura brasileira.
Foi um passo significativo? Com certeza, mas o fato é que, se tratando da busca pela equidade de gênero - nesse caso, na literatura - temos um longo caminho pela frente. A produção literária encabeçada por mulheres vem ganhando mais espaço e reconhecimento, mas ainda é severamente afetada pela desigualdade e os desafios persistem. Esse quadro inclui o machismo que segue permeando a sociedade, o cenário cultural e em especial, as oportunidades de publicação nas editoras de destaque no país.
Dados evidenciam a discrepância que persiste no panorama literário nacional
Parece exagero? Não é, e os dados evidenciam esse panorama. Vamos aos números:
- De acordo com informações do site Nobel Prize, as mulheres REPRESENTAM pouco mais de 6% dos laureados do Prêmio Nobel em toda sua história. No caso do Prêmio Nobel de Literatura, a honraria foi concedida a 120 pessoas desde que começou a ser entregue, em 1901: foram 103 homens (com predomínio de ocidentais e brancos) e apenas 17 mulheres.
- A pesquisadora Regina Dalcastagnè realizou um estudo mapeando as publicações de romances em três das maiores editoras do Brasil, em momentos diversos. No primeiro período analisado (1965-1979), os números mostraram 82,6% de autores e 17,4% de autoras publicadas. E no último recorte investigado (entre 2005 e 2014), a diferença foi de 70,6% para 29,4%: um crescimento favorável, mas que ainda demonstra a discrepância que persiste no panorama literário nacional.
- Esse cenário também foi apontado por outra pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea (coletivo de pesquisadores vinculado à Universidade de Brasília- UNB). De acordo com os dados, mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras, entre 1965 e 2014, foram escritos por homens.
- A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (que analisa o comportamento dos leitores no país) evidencia, em sua última edição (2015) que as mulheres leem mais do que os homens (elas representam 59% dos leitores do país). Mas o estudo também mostra que a representatividade das mulheres no mercado editorial não acompanha esse percentual positivo.
- Dos 40 integrantes que ocupam as cadeiras da Academia Brasileira de Letras (ABL), apenas cinco são mulheres. Em 126 anos de Academia, a presença feminina corresponde a apenas 3,5% do total, uma vez que foram eleitas dez mulheres, entre os 339 acadêmicos que já passaram pela instituição.
Um pouco de história
Vale lembrar que por muito tempo, as chances de uma mulher conseguir publicar o que escrevia eram restritas - ou o marido assinava sua produção literária ou ela usava um pseudônimo masculino. Um bom exemplo é o clássico ‘Frankenstein’ (precursor da literatura de horror e ficção científica), lançado de forma anônima em 1818 por Mary Shelley, que só pode assumir a autoria de sua obra na terceira edição, revisada e publicada em 1831.
E aqui no Brasil não foi diferente - por um longo período, o cenário intelectual do país abriu caminho para grandes autores, mas negou as mesmas oportunidades para mulheres escritoras. Levou tempo para que esse panorama começasse a mudar, permitindo o surgimento de uma tradição literária feminina, até então ignorada. Com isso, muitas autoras foram resgatadas pela história e seu legado finalmente reconhecido.
Leia mulheres
Infelizmente, a realidade atual segue distante da equidade de gênero que almejamos. E a sócia-proprietária da Dom Quixote Livraria (Bento Gonçalves) Eunice Pigozzo, chama a atenção para os ecos da desigualdade histórica e da disparidade relativa ao reconhecimento da produção intelectual das mulheres. “Eles persistem e mostram que as ideias patriarcais e o culto à superioridade do saber masculino ainda seguem enraizados na nossa sociedade”.
Mas como ajudar a mudar esse cenário? Eunice acredita que essa tarefa é de toda a sociedade. E exemplifica: “Impulsionamos essa mudança lendo e recomendando autoras mulheres, levando às escolas a literatura feita por mulheres, incentivando novas autoras a ocuparem seu espaço no panorama literário, exigindo o justo reconhecimento para a produção intelectual feminina”. Por fim, ela indica algumas das grandes autoras brasileiras contemporâneas que vale a pena conhecer - e cujas obras residem nas prateleiras encantadas da livraria. Acompanhe:
Conceição Evaristo
Canção para ninar menino grande
Becos da Memória
Carla Madeira
Véspera
Tudo é Rio
Djamila Ribeiro
Lugar de fala
Cartas para minha avó
Aline Bei
O peso do pássaro morto
Pequena Coreografia do Adeus
Natalia Borges Polesso
Corpos Secos
Amor
Fontes: Medium / Academia Brasileira de Letras (ABL) / Agência Brasil