Há como conter as águas?

A persistência ou o agravamento dos altos índices pluviométricos observados tende a agravar igualmente os cenários observados em maio de 2024

Vânia Elisabete Schneider

Vânia Elisabete Schneider

02/08/2024
Há como conter as águas? Agência Brasil

3 min de leitura

O clima deverá oscilar nos próximos anos entre chuvas extremas e fortes estiagens em decorrência do aquecimento global. Na Serra Gaúcha registrou-se no mês de maio de 2024 índices de até 1200mm de chuva.

Essa situação poderá se repetir e até piorar se considerarmos que a temperatura dos oceanos encontra-se cerca de 3ºC acima da média. Isso leva a um aumento da evaporação e, consequentemente, das chuvas, que chegam ao RS impulsionadas pelos rios voadores vindos da Amazônia, e do ciclones extratropicais vindos do Atlântico Sul.

Nesse contexto, repensar o uso e ocupação do solo em áreas rurais e urbanas é medida de prevenção e precaução para minimizar os danos decorrentes de eventos extremos como o observado em 2024.

Mau uso dos solos

Conter as águas significa implementarmos medidas estruturais e estruturantes que possam retardar os fluxos e minimizar o arraste de materiais para o curso dos rios.

Eu atribuo boa parte das consequências das recentes inundações que tivemos no Estado ao (mau) uso dos solos na região, particularmente nos Campos de Cima da Serra, onde a camada de solo sobre a rocha gira em torno de 30cm, sendo este sustentado pelo emaranhado de raízes das gramíneas. Quando alterada, pelo uso agrícola e de silvicultura, a malha de proteção é destruída e o solo é facilmente erodido. Além disto, os campos de cima da serra são zona de produção de água, onde se encontram as principais nascentes dos rios Taquari-Antas e do Caí cuja preservação é fundamental para o equilíbrio do ciclo hidrológico na região.

Deslizamento de terra causado pela enchente no RS

Outro agravante em relação às enchentes nas partes baixas da região hidrográfica do Guaíba é a ocupação de encostas, cuja geomorfologia condiciona o potencial de risco a deslizamentos e o arraste de solos que podem levar de 300 a 400 mil anos para se formar. Estes solos são arrastados constituem-se nos sedimentos e na lama depositados ao longo do curso dos rios que chegam ao Guaíba (Taquari-Antas, Caí, Pardo, Sinos, Gravataí, Vacacaí).

Desertos rochosos

A persistência ou o agravamento dos altos índices pluviométricos observados tende a agravar igualmente os cenários observados em maio de 2024.

Se não houver um planejamento e gestão dos Campos de Cima da Serra no sentido de conter a perda de solos, vamos evoluir para os “desertos rochosos de cima da serra”, em muito pouco tempo.

Para conter o deslizamento das encostas, por outro lado, é necessário respeitar o código florestal, que regula o uso do solo, e adotar técnicas de plantio e contenção de encostas, como por exemplo, os andenes incas, considerados obras hidráulicas para conter o solo e retardar o fluxo da água.

Áreas urbanas

Nas zonas urbanizadas e impermeabilizadas por edificações e vias, a retenção das águas para controle de fluxo e armazenamento pode configurar-se em estratégia tanto para chuvas intensas quanto para suprir as demandas em períodos de estiagem. Tanques de contenção, caixas coletoras, grandes reservatórios e piscinões são algumas tecnologias já adotadas por antigas civilizações e que podem ser adotadas e melhoradas, a exemplo de países como o Japão.

Leis municipais que exigissem a compensação da impermeabilização com a utilização de valas e poços de infiltração ou cisternas de armazenamento de água seria uma solução individualizada tanto para contenção de fluxo quanto para uso em situações de estiagem.

O conceito de cidades esponja melhor se aplicaria às regiões mais altas do que às regiões de vales e planícies. É aqui em cima que começam os problemas e também aqui é que as soluções podem ser mais eficientes.

A questão ambiental exige uma visão transdisciplinar e a mobilização social na busca de soluções de longo prazo e eficientes.

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Vânia Elisabete Schneider

Vânia Elisabete Schneider

Doutora em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento (IPH/UFRGS). Professora e pesquisadora da UCS por 36 anos. Atua junto ao Instituto de Pesquisas sobre Desastre/IPD da Universidade Federal de Sergipe.

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