Enquanto o mundo pega fogo
Qual o sentido de persistir num modelo perverso que gera tamanha desigualdade e a destruição autofágica da própria vida?
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Assistimos do sofá de casa as conversas da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que acontece no Azerbaijão neste novembro de 2024 sem nenhuma confiança de que os desdobramentos sejam favoráveis e, menos ainda, suficientes para conter o crescente aumento da “febre” do Planeta e a emergência climática.
O conceito de “casa” está na origem das palavras Economia e Ecologia. Ambas trazem na raiz o termo grego oikos = “casa”. Em suas origens, Economia é a arte de bem administrar a casa e Ecologia é o estudo (logia) das relações entre os seres vivos e o meio (casa) em que vivem.
O próprio criador do termo “Ecologia”, o biólogo alemão Ernst Haeckel, em 1869, ao definir Ecologia, destaca-a como sendo “a economia da natureza”, apontando essa ciência como “o conjunto de conhecimentos referentes à economia da natureza, à investigação de todas as relações do animal tanto com seu meio inorgânico quanto orgânico, incluindo, sobretudo, sua relação amistosa e hostil com aqueles animais e plantas com que se relaciona direta ou indiretamente.
Já a Economia, para cumprir o seu grande objetivo, deveria estar totalmente em sintonia com a Ecologia, pois a “casa dos seres humanos a ser administrada” faz parte do grande ecossistema.
No paradoxo dos tempos atuais, assistimos na mídia os passeios turísticos espaciais protagonizados por alguns bilionários irresponsáveis, acompanhamos os impactos ambientais irreversíveis e os desperdícios de várias ordens, enquanto boa parte da humanidade não tem garantido sequer seu direito à moradia, à alimentação e ao consumo mínimo.
A primeira pergunta que não quer calar é: qual o sentido de persistir num modelo perverso que gera tamanha desigualdade e a destruição autofágica da própria vida?
A segunda e necessária pergunta é: o que EU – enquanto parte dos 8 bilhões de seres humanos habitantes do Planeta Terra – posso fazer para frear a emergência climática e ajudar a construir uma convivência mais harmoniosa entre a Ecologia e a Economia?
As respostas precisam ser rápidas. A postura deve ser incisiva sobre nossa forma de nos relacionarmos com o uso das diferentes formas de energia, com o consumo em geral e com o descarte adequado. Precisa ser questionadora e exigente junto àqueles que definem políticas públicas e reflexiva sobre os valores humanos que realmente importam.
Foto: Cadu Gomes/Agência Brasil
Casa comum
Um dos maiores filósofos do século XX, o alemão Martin Heidegger, já refletia sobre a forma habitarmos a nossa casa. Para ele, habitar significa o “nosso modo de estar no mundo”. Habitamos, portanto, a residência, mas este “habitar” também se estende à rua, ao bairro, à cidade, ao planeta.
Segundo ele, nosso modo de estar no mundo é antes de tudo um modo de relacionamento com o outro, com o lugar, com a cultura e, num âmbito maior, com aquilo que chamamos de ecossistemas.
Esta “liberdade de ser e de estar no mundo” deve ser assegurada pela compreensão e respeito a todas as coisas e todos os seres. O egoísmo e a ignorância são, portanto, o que deve ser superado para que o homem aprenda a habitar, ou seja, para que aprenda a “estar no mundo” em harmonia, assegurando assim o seu futuro.
Soluções existem
Conforme o climatologista Carlos Nobre, as projeções de modelos climáticos altamente sofisticados mostram que, sem uma ação climática urgente e significativa, o mundo caminha para um aumento de temperatura global de até 3°C acima dos níveis pré-industriais ainda neste século, o que está bem acima dos limites de segurança.
A COP29 precisa definir soluções efetivas para reduzir os gases de efeito estufa e evitar uma catástrofe climática planetária.
No caso brasileiro, Segundo Carlos Nobre, o país tem todas as condições de ser o primeiro a zerar suas emissões, pois até 75% delas provêm de desmatamentos e agropecuária. O que vimos no Brasil em 2024 foi o oposto disto.
“Zerar os desmatamentos em todos os biomas até 2030 já reduziria as emissões em aproximadamente 50% e o país pode implementar também uma restauração florestal em grande escala, principalmente na Amazônia, removendo centenas de milhões de toneladas de gás carbônico por ano, conseguindo zerar as emissões líquidas até 2040”, destaca o climatologista.
Mas as providências precisam ir muito mais além. A começar pela consciência individual plena de que é fundamental reduzir o consumo, otimizar o uso de energia e mudar as formas de se relacionar com a natureza. Só uma mudança de cultura ampla na população pode definir uma alteração nos rumos do mercado.
É justamente aí que entra o EU de cada um colaborando para reduzir a febre do Planeta e garantindo o futuro. Ou não.