Cuidando do templo
Seu Marçal e Dona Maria cuidaram e conservaram o cânion do Itaimbezinho até os últimos tempos em que lá viveram, como verdadeiros ambientalistas atávicos.
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A primeira vez que ouvi falar dos cânions gaúchos foi durante uma viagem pela América Latina no início dos anos 80. Na época, o país estava na boca do mundo em apenas duas palavras: Pelé e carnaval.
Para minha surpresa, um casal de alemães veio me comentar que havia se encantado com os cânions do Sul do Brasil. Eu, que morava a pouco mais de 150 quilômetros de distância, ainda não conhecia.
Conhecer os cânions foi uma das primeiras providências no retorno daquela viagem. Foi amor à primeira/profunda/intensa/selvagem/revigorante-vista.
Na época o casal Marçal e Fona Maria ainda moravam no interior do já declarado Parque do Itaimbezinho. Recusavam-se a sair de lá por amor ao lugar que habitavam há dezenas de anos e, mesmo “convidados” a se retirarem do local, nunca foram devidamente indenizados pelas terras.
Quem teve a honra de conhecer esse casal vai lembrar da extrema hospitalidade com que era recebido, da coleção de facas do Seu Marçal e das meias, ponchos, mantas e cobertores confeccionados por Dona Maria num tear gigantesco de parede inteira.
O fio de lã sendo tecido na roca manual e as ovelhas pastando tranquilas ao redor da casa, coniventes com aquela vida pacata e totalmente integrada com a natureza.
Seu Marçal e Dona Maria cuidaram e conservaram o local até os últimos tempos em que lá viveram, como verdadeiros ambientalistas atávicos.
Depois do Itaimbezinho, conheci os cânions da Fortaleza, Malacara, Índios Coroados, Churriado e Molha-Coco. Vários deles já não permitem acesso ao público. Meu coração ambientalista urbano me fez retornar incontáveis vezes e em diferentes épocas do ano para receber a força e o encanto dos aparados da serra. Um verdadeiro santuário ecológico.
Os cânions agora estão em processo de concessão à iniciativa privada. De um lado, vem a expectativa de melhoras para o povo local e de que se intensifique a preservação. De outro, a apreensão de que tentem transformar os aparados em mercadoria e que não haja santos para expulsar os vendilhões do templo.
A esperança que pulsa é a de que, com todas as informações que já se sabe sobre os impactos ambientais sobre o Planeta, com toda a crise climática e com a crescente extinção das espécies, surja uma nova consciência coletiva sobre a forma de ocupação de espaços naturais.
Hora de aprender a lição do poeta naturalista Henry Thoreau, que ainda no século XIX ensinou: “é no intacto que está a preservação do mundo”.