Aprendendo a lidar com traumas dos desastres naturais

Quando cuido de mim fico mais forte e posso ajudar outras pessoas com menos recursos

Rosemari Johan

Rosemari Johan

18/06/2024
Aprendendo a lidar com traumas dos desastres naturais AdobeStock/NBE

4 min de leitura

Nos últimos quatro anos nossa humanidade tem vivido traumas sucessivos de forma coletiva. A pandemia a partir de 2020 nos trouxe sofrimento com as perdas, isolamento, o uso de máscaras e todas as inseguranças. Só quem viveu, consegue saber como foi afetado.

As enchentes no RS de 2024 foram consideradas entre as maiores crises climáticas do Brasil nos últimos anos. Ainda não temos como saber de que forma esses desastres vão afetar a população em geral. Mas nossos estudos sobre traumas mostram que os resultados disso podem acontecer até décadas depois.

Como age o trauma

O trauma não é apenas um evento específico que aconteceu no passado, mas também as cicatrizes emocionais e psicológicas que esses eventos deixam, afetando a vida das pessoas no presente. Todas essas vivências podem ter um impacto profundo no desenvolvimento emocional e físico e podem resultar em sintomas físicos e emocionais duradouros. Temos estudos nas últimas décadas importantíssimos a esse respeito.

Vocês devem ter acompanhado as imagens da tragédia veiculadas nas redes sociais e só por assistir essas imagens muitas pessoas passam mal, sentem-se culpadas e começam a ter pesadelos. Imagine então a pessoa que viveu tudo isso na sua pele.

Ainda não temos como medir o impacto que esse desastre terá nas nossas vidas aqui no presente e num futuro próximo, a médio e longo prazo.

As sensações que resultam desses traumas podem ser descritas como: sensações de nojo, o cheiro que vem com tudo isso é insuportável, a pessoa se sente traída por ter que passar por isso, sente como se estivesse recebendo um castigo profundo, sente um profundo desamparo, um desamparo das forças da natureza, tem um abalo profundo nas suas crenças divinas, insegurança frente a nova realidade.

E agora que o rio baixou e as pessoas se deparam com a realidade nua e crua acontecem situações importantes como:

Horror

É inimaginável o resultado do que aconteceu. É espantoso e vivenciado a olho nu. Dói no corpo, na alma, no espírito.

Impotência

Tudo foge ao meu controle, não dou conta de tudo isso, não tenho forças o suficiente para dar conta, muitas vezes.

Abandono

É aquele sentimento de estar sendo negligenciado, gera um afastamento de solidão, de desespero. Não tenho com quem contar. As doações estão terminando, o governo não ajuda, não está presente. Não me olham e me acolhem como antes. Estou invisível.

Desconexão espiritual

A pessoa se sente castigada, errada, culpada e se pergunta “o que fiz para merecer isso, por que eu? Deus me abandonou!”

Nossos mecanismos de sobrevivência passam a atuar; luta e fuga, congelamento, paralisação.

Muitas vezes lutar não foi possível, no momento do desastre, fugir não foi possível, congelar é a única possibilidade. E agora que a água baixou os efeitos são a nível físico, comportamental, social e espiritual. Crianças, adolescentes, adultos, idosos, animais, todos sofrem os resultados disso. O mundo sofre com toda essa dor!

O que podemos fazer?

Apoio e ajuda

Falar que estamos à disposição da pessoa para ajudar, acolher, dar um colo, dar um abraço, escutar sua dor silenciosamente. Não ficar dizendo que tem coisa pior, que está tudo bem, não minimizar a dor do outro.

Evitar a repetição de imagens

Não ficar assistindo as imagens da catástrofe pois isso gera uma repetição do trauma. Temos que orientar para que as pessoas não assistam mais.

Cuidar de si mesmo

É muito importante. Ao cuidar de mim possibilito que outras pessoas possam cuidar de quem tem menos condições e, quando cuido de mim, fico mais forte e posso ajudar outras pessoas com menos recursos.

No processo terapêutico o profissional precisa estar preparado adequadamente para ajudar nesses processos.

Psicóloga atuando em relação a trauma

Existe também entre os psicólogos e profissionais que atuam nessa área a possibilidade desse profissional estar se re-traumatizando com os atendimentos. Por isto, o profissional precisa estar na psicoterapia, na supervisão, com os grupos de apoio de colegas.

Temos técnicas e manuseio adequado para essas situações traumáticas, pois traumas anteriores ao desastre aparecem e causam um maior desequilíbrio na pessoa. O desastre atual é somente a ponta do iceberg, pois traumas anteriores estavam submersos.

Enfim, são situações difíceis a serem enfrentadas e toda e qualquer pessoa que quiser ajudar deve se sentir preparada para isso. Precisamos estar regulados para dar conta! Sabemos que muitos voluntários tiveram que sair de campo por acionar neles traumas do passado, inconscientes, inclusive levando a ideias suicidas e ao suicídio. Então busque ajuda, acolha seus medos, seus sintomas. Não queira dar conta de tudo sozinho, não é possível.

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Rosemari Johan

Rosemari Johan

Rosemari Johan é terapeuta especialista em terapia sistêmica familiar, de casal e individual, e realizadora de Rituais de Casamento Sistêmico. Terapeuta CRT 24.804

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