A bordo do Calypso de Cousteau
Gaúcho pesquisou com o lendário Jacques Cousteau
3 min de leitura
No dia 5 de dezembro de 1982, eu parti num zodíac de Cousteau, desde o porto de Santarém, em direção ao Calypso, para realizar o meu projeto “Levantamento Preliminar do Microfitoplâncton das Águas Claras do rio Tapajós, Pará, Brasil”.
Este seria um dos cinco projetos brasileiros aprovados pela Cousteau Society e pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) para participar da “Operação Amazônia” junto à equipe de Cousteau.
Quando cheguei ao Calypso, fui recebido pela família Cousteau: Jacques-Yves, sua mulher, Simone, e seu filho, Jean-Michel. Ao cumprimentar-me, Cousteau questionou-me sobre a presença do plâncton no rio Tapajós. Então, apontei em direção à popa do Calypso e mostrei-lhe as imensas manchas verdes formadas pelo fitoplâncton (microalgas) que coloriam as águas claras daquele rio. Ao olhar para aquele fenômeno, Cousteau impressionou-se, pela dimensão e beleza.
Durante os próximos seis dias, faríamos seis coletas do fitoplâncton desde a confluência do rio Tapajós com o rio Amazonas, até a localidade de Alter do Chão. O dia seguinte sempre me reservava um novo preparo de materiais e equipamentos para a coleta do fitoplâncton e dos dados ambientais do rio Tapajós.
Jacques Cousteau era um homem programado, pois sua agenda diária estava sempre tomada. Gozava do mais alto respeito, obediência e admiração de seus comandados. Durante o tempo que convivemos juntos, deixou-me transparecer um homem sereno, atencioso, simples, cordial, gentil e bem-humorado.
Ele estava sempre acompanhado pelo seu filho, Jean-Michel, que dirigia a Cousteau Society e sua mulher, Simone, que passava horas contando-me das aventuras do Calypso.
Certa noite, Jacques Cousteau, nos disse: “Não me considero um cientista. Não me interessa quantas escamas tem um peixe, mas sim sua importância para a manutenção do equilíbrio ecológico do meio onde ele está inserido”.
Mais tarde, num tom de sobriedade, afirmou: “Revelar a Amazônia através de sua beleza, nada mais é que a constatação de sua mais pura realidade. O motor solar dos trópicos, acelerado pelo líquido da vida, a água, determina essa exuberância de vida”.
Confesso que partilhar dessas informações e comentários, junto àquele homem soberano no desejo de preservar a vida em nosso planeta, foi um imenso privilégio.
Ao deixar o Calypso, parti a bordo do hidroavião “papagaio” em direção à cidade de Santarém. Margeando o rio Tapajós, percebi enormes áreas desmatadas, outras em chamas e algumas com focos de areia, prenúncio de um futuro deserto.
Naquele momento, senti vontade de chorar por perceber a destruição indiscriminada da natureza por parte do homem. Uma mescla de vergonha, culpa e indignação abateram-se sobre mim naquele instante. Percebi, então, que teria a obrigação ética, moral, profissional e humana de dar a minha parcela de contribuição para preservar aquele mundo verde, recortado por artérias por onde fluem líquidos de várias cores.
Ao retornar para a cidade de Rio Grande-RS, iniciei a identificação do fitoplâncton, junto ao laboratório de planctologia da Base Oceanográfica Atlântica, pertencente à Fundação Universidade do Rio Grande (FURG). Após três anos de estudos, identifiquei 286 espécies e 74 variedades de microalgas. Isso viria a comprovar a enorme biodiversidade da maior floresta tropical úmida do planeta: a Amazônia.
Compartilhar minha experiência na “Operação Amazônia”, através de palestras, seminários, dois livros publicados (A Amazônia que conheci com Jacques-Yves Cousteau; A Amazônia que conheci a bordo do Calypso de Cousteau) e o resultado de minhas pesquisas sobre o fitoplâncton do rio Tapajós têm tido o objetivo de tornar públicas estas importantes informações sobre o magnífico ecossistema amazônico.
Ao mesmo tempo, busco inspirar as pessoas a aliarem esforços para sua preservação para que um novo espírito humano seja capaz de salvar, o maior santuário de espécies do mundo: a floresta Amazônica!